Pelas vezes que me fui princesa para adentrar aos castelos alheios sem despertar o choro, ou me fiz menino, para que a intimidade não constrangesse tanto. Pelos exames sentada ao chão ou de joelhos sobre a mesa de brinquedos, já que os "iguais" se entendem melhor. Pelos momentos em que o estetoscópio pareceu machucar e as mãos, ora macias, simulavam arranhar a pele e despertar as lágrimas, desesperadoras para mim, tão verde na nova arte, e para eles, tão novos nesse mundo estranho. Pelas cócegas ao exame abdominal, que me tiraram o riso e por tantas tentativas frustradas de um exame mais calmo. Pelos pequenos médicos que descobri, incentivei e para os quais fui paciente, com muito gosto. Pelos menores que com medo segurei, pequenos diamantes, tão frágeis e fortes, a quem me confiaram o corpo. Pelos que descobriam as palavras aos poucos e pareciam querer usar todas de uma só vez. Pelos maiores que me confiaram segredos, que me ouviram com responsabilidade e me aceitaram como a uma amiga. Por ter redescoberto a leveza da vida, a magia do brincar e a sinceridade dos olhos. E por fim, por todos os abraços tímidos e sorrisos escancarados que me mostravam os dentes e as almas daqueles que, tão novos na escola da vida, me ensinaram tanto na arte do cuidar.
Ingrid Tinôco
Junho 2014
Junho 2014